quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

ORAÇÃO PELO VERÃO


Sem deixar de agradecer as flores que a primavera me trouxe, quero agora orar pelo verão que se aproxima.

Que o calor canse meu corpo, para que ao diminuir a velocidade dos meus passos, eu possa encontrar mais paz na alma, perder a pressa que tanto me consome durante o ano inteiro. Encontrar calma no cansaço, e alegria no suor que escorre de meu trabalho.

Que eu possa após o justo merecimento, ter os pés na areia e os olhos no mar, para poder ouvir no som do mar a voz de Israel Kamakawiwo’Ole, fazendo da brisa constante e fresca o doce de uma voz que me conduz ao silêncio, calmo e humilde, diante do milagre que nos cerca, e traduz em nossa vida, por mais dura que seja, uma dádiva divina.

Que eu possa ter alguns momentos para ver meu filho correndo pela areia, como mensagem de que a vida segue, em frente, desafia o tempo, supera o passado, as vezes tropeça, mas se levanta, e cada vez menos vai ao chão, e se promete eterna enquanto durar, tal qual poetizou aquele que tanto gostava da noite.

Que ao chegar da noite quente, eu possa ter janelas para escancarar, sem medo, sem pavor, para sentir o ar entrando pela janela direto para os meus pulmões, enchendo de vida o peito cansado, mas perseverante pela vida nos descompassos que a vida batuca em nossos destinos. E que eu possa sorrir com as imagens do dia e esquecer um pouco das mil obrigações que assumi em detrimento da obrigação de valer a minha própria vida.

Que eu possa correr pelo sol em busca de alguma sombra, e no frescor de algum sombreiro de folhas largas, possa conversar com alguns amigos, num tagarelar preguiçoso e risonho, interrompido vez por outra pelo gole na cerveja gelada, ou pelo silêncio que o violão solicita. Que eu possa ouvir a voz serena da mulher amiga, sem pretensão, pois onde a pretensão é ausente, também se ausenta a decepção.

E quando a nuvem encobrir o sol, que a chuva venha forte, para testemunhar o quanto foi grande o esforço da natureza para que pudéssemos estar aqui, as vezes desatentos à mais bela conspiração de coincidências inacreditáveis, prova incontestável de que Deus é por nós. E que em silêncio eu possa orar para agradecer a Deus todo o presente, presente enquanto tempo, e presente enquanto o mais belo pacote que nós é entregue quando abrimos os olhos pela primeira vez na vida.

E quando março chegar, ao primeiro vento mais frio, que eu possa entender que vez por outra é preciso renunciar para merecer. Às vezes é preciso partir para ter o direito de estar presente, pois o milagre da vida deve cumprir seus ciclos, tal qual o verão, e então deveremos dar espaço para o que vem depois, cruzar o chão de folhas secas, depois buscar o calor do fogo de uma lareira, até que o cheiro das flores no final da primavera, anuncie que outro verão se aproxima, cumprindo a promessa, o ciclo, o milagre, e celebrando a vida.

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