sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

ORAÇÃO AO PEIXE

Eu te perdôo, ó peixe, 
pelo último olhar que me diriges, 
pelo salto viril preso ao anzol 
e pelo cheiro denso das marés aderentes nas tuas guelras.
 
Eu te perdôo, ó peixe, 
pelo sabor da tua saudável carne, 
pelas escamas raspadas de tua pele escura, 
e pelas espinhas que não ousaram atravessar minha garganta. 
 
Eu te perdoo pelo alimento 
que nutre meu corpo ávido de proteínas.
Como um áugure li nas tuas entranhas 
que o teu mundo só se vinga em prantos, 
mas tu não chorarias tuas lágrimas 
porque já vives nela todo o tempo.
 
São os homens como eu 
que precisam da tua vida curta para seguir a evolução da vida 
e se sentirem imersos nas nuvens dos deuses.
 
Eu te agradeço, ó peixe, 
pelo teu nado predador nos rios correntes; 
pelo espalhar das sementes das matas ciliares 
e pela liquidez do teu habitat onde és mais que um animal, 
és ente da floresta, és alma, 
mas apenas corpo e sangue para os homens 
que te matam e que te comem sem piedade.
 
Não, não me perdoa, 
ó peixe, nem me agradeças. 
Eu sou apenas a tua extensão nas minhas veias.

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