segunda-feira, 5 de março de 2018

PRECE AOS SONS DA NATUREZA



Quando alvorece, passarinhos piam e trinam sem parar
e anunciam o novo dia que vai começar...
Em meio a ruídos de bem-estar,
o canto firme do bem-te-vi se faz ecoar...

Durante o dia, ouvem-se sons lá e cá:
o lamento tristonho do sabiá,
as folhas pisadas pelos pardais nos ramos em tênue sibilar,
insetos a voar, alguns a zunir, e um grupo de cambaxirras a chiar.

O que dirá o Sol, astro-rei, lá no alto a irradiar 
calor em raios que faz toda a Vida desabrochar?
No silêncio da sua quentura e do seu brilhar, talvez queira aconselhar 
os corações humanos que as relações interpessoais devem iluminar...

Novos sons, inconfundíveis, ponho-me a escutar:
um grupo de estridentes maritacas a passar...
Juntas emitem gritinhos de quem tem alegria pra gastar.
Regale-se aquele que ainda tem sensibilidade pra escutar!

Em meio a tantos sons distintos da natureza a se mostrar
 — que vão da timidez até ruídos de um gostoso incomodar —,
junte-se o de sementes em favas a estalar
como gravetos secos em carícias com o fogo na lareira a crepitar...

Sons quase imperceptíveis de folhas a se quedar
de árvores e plantas onde se esgotou o seu ficar,
atropelados pelo bater das asas de pombos e seu arrulhar...
A Natureza pinta-se de vários tons pra gente escutar!

A tarde cai e com ela uma série de ruídos a se avizinhar:
os passarinhos guardam o canto e as asas pra descansar;
os irerês em bando retornam em suave baderna de algum lugar...
Decerto já têm pouso costumeiro onde se aquietar...

Ao longe, ouve-se o bucolismo do galo a cucuricar,
anunciando a noite que chega para aconchegar; 
esse mesmo galo canta a madrugada a se espreguiçar...
E, no correr do dia, a galinha cacareja o ovo que acabou de botar...

Na noite alta, quando o homem inicia o seu descansar,
grilos trilam ao som do sapo que se queixa no seu coaxar
ou do atrevido sapo-martelo que desafia com o seu martelar, 
enquanto rãs despertas cantam ou se lamentam..., deixa pra lá...

Elas se escondem em charcos ou no regato para conversar
com ele, a murmurar. Enternece-se a alma que consegue captar 
que os sons eclodem na Natureza em qualquer lugar,
versejando a Vida com todo o seu esplendor  e o seu diversificar!

Cães latem, enchem o espaço com o seu ladrar.
Nas sombras da madrugada, a passarada ensaia o seu despertar...
Sons há, de toda a ordem, agradando a quem gosta de os escutar
e ouvir da Natureza tudo o que Ela tem pra nos contar...

Olhando pra cima, vejo a lua e o seu prateado luar;
e as estrelas luzindo fagueiras em seu brilhar... 
Que som emitem, hão de me perguntar...
O som de um silêncio que leva à contemplação, chego a afirmar...

Quando nuvens escuras prenunciam chuva que vai chegar 
às vezes com ventos fortes que rugem e silvam no ar,
a Natureza parece confessar 
seu lado menos suave, mas que é uma outra forma de encantar...

E o som da chuva banhando as folhas e flores com vagar
é espetáculo sonoro que serve para acalmar
corações tristonhos e mentes revoltas no seu atribular...
Busca incessante de lenitivo para as mágoas em nosso caminhar...

O que dizer da tempestade a torrenciar,
do relâmpago não-sonoro a relampejar, 
pano de fundo para o trovão a vociferar
e do raio cintilante e belamente medonho a faiscar?

Em forma de véu, a água a cascatear
em mansidão no seu cair e em gostoso espocar
quando beija o chão, as pedras ou outras águas no seu passar...
A Natureza se revelando em segredos em várias formas de chorar...

Chega-se ao mar, ah!, aí é difícil falar...
O mar, tesouro da Criação que não canso de admirar...
O mar, depositário dos meus desejos de moça em meu despertar...
Águas calmas ou bravias, sempre me encanto com os sons do mar!...

E o Homem, também ele filho natural, ser que sabe revelar
sons magníficos nas palavras e nas canções feitas pra enlevar...
... quando os ouvidos ouvem e levam para a alma se deliciar
angelicais melodias que não ousam a quietude macular...

Mas verbos que traduzem a calmaria de ações, como sussurrar,
murmurar e cochichar, parecem não ter mais lugar...
Jazem nos dicionários ou na gente antiga em seu plácido falar,
ou vivem nos versos dolentes dos poetas em seu versejar...

Ah! esses mesmos homens (ou serão outros?) a teimar
com barulhos e ruídos, sons enlouquecidos a estrondar...
Gritos guturais que agridem os ouvidos e sujam o ar,
desafiando os outros sons na sua função de enfeitar...

Se são esses os sons da modernidade, tenho a lamentar:
são sons aos quais não posso, não quero me acostumar,
pois mostram a feiura do Homem e seu agressivo extravasar,
como se ele aos seus ruídos não conseguisse calar...

Aqueles que, como eu, puderam e podem se deleitar
com tanta beleza em forma de som para se escutar,
talvez comigo concordem: não dá para aceitar
que à nossa Vida tenhamos que esses sons incorporar...

E, àqueles que porventura, por escárnio ou por esgar, 
disserem-me que na velhice de barulhos estou a me desacostumar,
peço desculpas e, em tom baixo e firme, posso lhes afirmar:
não será agora que em meu sangue esses barulhos deixarei entrar!

Se em mais de meio século não consegui suportar
pesadas falas, que causam incômodo e mal-estar,
digo-lhes, fiel ao que sou e deixando o último verso sem rimar:
não se pode se desacostumar daquilo a que não se foi acostumado!

E viva a bela Natureza, Perfumada Flor, em seu manso desfilar...

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